terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Por enquanto o único exemplo... espero que faça seguidores


JOSÉ ANTÔNIO REGUFFE

Um homem ficha limpa
Aos 38 anos, o economista José Antônio Reguffe (PDT-DF) foi eleito deputado federal com a maior votação proporcional do País – 18,95% dos votos válidos (266.465 mil) no Distrito Federal. Caiu no gosto do eleitorado graças às posturas éticas adotadas como deputado distrital. Seus futuros colegas na Câmara dos Deputados que se preparem. Na Câmara Legislativa de Brasília, o político desagradou aos próprios pares ao abrir mão dos salários extras, de 14 dos 23 assessores e da verba indenizatória, economizando cerca de R$ 3 milhões em quatro anos. A partir de 2011, Reguffe pretende repetir a dose, mesmo ciente de que seu exemplo saneador vai contrariar a maioria dos 513 deputados federais. Promete não usar um único centavo da cota de passagens, dispensar o 14º e 15º salários, o auxílio-moradia e reduzir de R$ 13 mil para R$ 10 mil a cota de gabinete. “O mau político vai me odiar. Eu sei que é difícil trabalhar num lugar onde a maioria o odeia. Quero provar que é possível exercer o mandato parlamentar desperdiçando menos dinheiro dos cofres públicos”. Acompanhe a entrevista completa à ISTOÉ no site:

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Cada um faz o que sabe fazer melhor - Palhaço faz palhaçada...

                  Na primeira votação, Tiririca erra voto

                          Qua, 16 Fev, 11h53

Em sua primeira votação como deputado federal, Tiririca (PR-SP) errou a forma como queria votar e apoiou a emenda do PSDB que elevaria o mínimo para R$ 600,00.

O líder do PSDB, Duarte Nogueira (SP), chegou até a agradecer o voto do colega artista. "Fui lá agradecer, afinal é o apoio do deputado mais votado do Brasil". A assessoria de Tiririca nega que o deputado tenha se rebelado e afirmou haver apenas um engano do parlamentar na hora de apertar o botão no sistema eletrônico.Durante o dia, ele anunciou que votaria com o governo pelo mínimo de R$ 545,00. Na hora de votar, porém, ele estava posicionado junto à bancada do PSDB e acabou votando "sim" à emenda dos tucanos.
Tiririca foi o deputado federal mais votado nas eleições de 2010 recebendo mais de 1,3 milhões de votos. Antes de assumir, ele teve que provar à justiça eleitoral que não era analfabeto, sendo submetido a um teste de leitura e escrita.
Outros deputados "celebridades" não cometeram o mesmo erro de Tiririca. O ex-jogador de futebol Romário (PSB-RJ) e o ex-boxeador Popó (PRB-BA) seguiram a orientação de seus partidos e votaram contra o mínimo maior.
Fonte: www.yahoo.com

Da série - ainda acredito em juízes...

Eu, Juiz de Direito, confesso...
Gerivaldo Alves Neiva*

Esta confissão tem três inspirações: o Juiz de Direito Rosivaldo Toscano Jr, o Defensor Público Rafson Ximenes e Sigmund Freud. Ele mesmo! Calma, gente... Vou explicar.
Pela primeira vez, em mais de 20 anos de magistratura, li um texto em que um Juiz de Direito comenta sobre seus próprios erros e arrependimentos. Este texto é do Juiz Rosivaldo Toscano Jr, do Rio Grande do Norte, e está publicado em seu blog na Internet.[1] De forma sincera e real, Rosivaldo concluiu: “somente os juízes absolutamente inexperientes não tem seu rol secreto de arrependimentos. E para alguns, inconfessáveis até para si próprios.”. Acredito que nenhum Juiz passa incólume por este texto. A menos que não se imagine humano. Nem precisa que seja “demasiadamente humano”. Eu, por exemplo, que sou apenas humano, depois da leitura, puxei um imenso rol de arrependimentos pelo que fiz e pelo que deixei de fazer nesses mais de 20 anos de magistratura.
Na verdade, ingressei na magistratura da Bahia em 1990 e imaginava, depois de 06 anos de advocacia, que estava absolutamente preparado para ser Juiz de Direito. Ledo engano. Hoje sei que sabia muito pouco ou quase nada sobre a vida e sobre o Direito. Para comprovar isso, depois de muitos anos retornei à minha primeira Comarca (Urandi, no sudoeste da Bahia) e lá conversei com um advogado da mesma época (Dr. Caio Leão) e ele me fez elogios sobre minha atuação na Comarca. Respondi ao advogado que, de fato, tinha feito tudo com muita dedicação e zelo, mas que somente agora – na época, 10 anos depois de ter saído de lá – me sentia preparado para assumir uma Comarca. São passados mais de 10 anos desse episódio e continuo pensando que somente agora estou preparado para assumir minha primeira Comarca. Neste caminhar, não sei o que estarei pensando com mais 10 anos de magistratura...
Com relação ao Defensor Rafson Ximenes, também li em seu blog na Internet[2] uma crítica contundente, como poucas vezes li, sobre a conduta de alguns Juízes de Direito. Com coragem e franqueza, o ilustre Defensor já começa seu texto provocando: “Me embrulha o estômago participar de audiências em que se julga a possibilidade de livramento condicional. Algumas perguntas que alguns magistrados fazem irritam profundamente”. Ao final, fazendo um trocadilho, refere-se à ideia de “concessão” de benefício de livramento condicional nestes termos: “E para terminar, benefício é o caramba! (a palavra certa no final era outra, mas vá lá. Vamos jogar um baralho.)”. Não preciso escrever aqui o resultado dessa mistura de caramba com baralho!
Eu não tenho como negar que também já dei muitos “conselhos”“esporros” em presos quando da “concessão” de algum benefício. Já dei conselhos para que estudassem, frequentassem uma Igreja, procurassem um emprego, que deixassem de “mexer no alheio” e outras bobagens mais...  Da mesma forma, em dias de mau humor, já dei“esporros”, ameacei de nova prisão e, como diz Rosivaldo, outras bobagens “inconfessáveis”.
Agora, vamos de Freud. Em um escrito de 1917, Freud se propõe a “descrever como o narcisismo universal dos homens, o seu amor próprio, sofreu até o presente três severos golpes por parte das pesquisas científicas”. São as feridas narcísicas da humanidade.
primeira dessas feridas, segundo Freud, teria sido causada pelas pesquisas de Copérnico no desenvolvimento da teoria doheliocentrismo, ou seja, a terra não é o centro do universo e não passa de um pequeno planeta que gira em torno do sol. A segunda ferida teria sido causada por Darwin no desenvolvimento da teoria do evolucionismo, ou seja, o homem não tem ascendência divina, mas dos macacos. Por fim, aterceira ferida narcísica da humanidade, segundo o pretensioso Freud, teria sido causada por ele mesmo com sua teoria do inconsciente, ou seja, o homem deixa de ser o “senhor de sua própria casa” para dar lugar ao inconsciente. Assim, para Freud, “a mente não é um coisa simples; ao contrário, é uma hierarquia de instâncias superiores e subordinadas, um labirinto de impulsos que se esforçam, independentemente um do outro, no sentido da ação, correspondentes à multiplicidade de instintos e de relações com o mundo externo, muitos dos quais incompatíveis e antagônicos”. Nesse confronto entre o ego e o inconsciente, portanto, estaria explicada a diferença entre aquilo que é “mental” e o que é “consciente”, ou seja, ainda segundo as palavras de Freud, “o que está em sua mente não coincide com aquilo que você está consciente; o que acontece realmente e aquilo que você sabe, são duas coisas distintas”.[3]
Mas qual o sentido mesmo desta confissão? Pois bem, retomando nossas inspirações iniciais, primeiro temos um Juiz que nos assusta ao revelar seu rol secreto de arrependimentos; depois, um Defensor Público que expõe sua indignação contra os juízes que se imaginam poderosos ao“concederem benefícios” a pobres e excluídos e, por fim, Freud nos coloca diante do nosso narcisismo ferido por Copérnico, Darwin e por ele mesmo e nos incomoda com a afirmação de que não somos senhores de nossa própria casa/mente. Além disso, ao nos mostrar as feridas narcísicas da humanidade, Freud termina despertando nossa curiosidade na busca das nossas próprias feridas narcísicas relacionadas ao Direito[4], ou seja, até que ponto nosso narcisismo jurídico está sendo desmoronado pelos fatos históricos e pela ineficiência do Direito no papel de avalista das promessas da modernidade e de um contrato social cada vez mais restrito a uns poucos privilegiados?
Sendo assim, eu, Juiz de Direito, confesso, diante dessa crise sem fim do Direito, cada vez mais reduzido ao estudo das normas e dogmas, que me sinto como Narciso diante de um espelho quebrado; confesso,também, que ainda não consegui me desvencilhar por completo, mesmo pensando que sim, da formação dogmática e normativista do Direito que me incutiu o ensino jurídico e, por fim, confesso que ainda prevalece em meu inconsciente (senhor de minha casa), embora continue pensando que não, a ideia de que é o Juiz quem “concede benefícios” ao preso, ao contrário de lhe reconhecer como “sujeito” e lhe garantir direitos. Como prova disso, em uma de minhas últimas decisões postadas aqui no blog[5]“concedi” a liberdade provisória a um preso acusado de furto de um rádio de pilha e um aparelho de som. Por que, de outro lado, não lhe foi simplesmente “garantido” o direito à liberdade em face da inexistência das hipóteses que justificassem a sua prisão preventiva? Como se diz popularmente e verdadeiramente, “Freud explica...”
Ora, conceder é infinitamente diferente de garantir. Conceder(do latim) significa dar, permitir, facultar, outorgargarantir (do francês), de outro lado, tem o sentido de afirmar, certificar, asseverar, tornar certo e seguro. O direito à liberdade, portanto, não é do Juiz, mas da pessoa a quem a Constituição garante esse direito. Como pode o Juiz, aliás, conceder ou dar a alguém o que não dispõe? Em consequência, quem concede tem a possibilidade de escolher ao seu livre arbítrio o que quer conceder; de outro lado, quem garante precisa fundamentar e justificar aquilo que torna como certo e seguro. Sendo assim, concordando com Lenio Streck, decidir não é sinônimo de escolher. A escolha será sempre parcial, arbitrária e discricionária; a decisão, de outro lado, implica em uma interpretação estruturada e em consonância com o Direito e, sobretudo, com a Constituição.[6]
Agora, mais aliviado, sei que está escrito em 1Jo 5,17 que “toda a iniquidade é pecado, e há pecado que não é para morte.” Eu não creio, em vista do que andei praticando como magistrado, que tivesse pecado “para morte” e sei também que a penitência proposta no fim da confissão, segundo o sacramento católico, “não é um castigo; mas antes uma expressão de alegria pelo perdão celebrado”.
Por fim, confessado o “pecado” e aceita a penitência de (i) afastar Narciso do Direito, (ii) continuar estudando e buscando um sentido para o Direito nesta quadra da história da humanidade e (iii) nunca mais imaginar que cabe ao Juiz “conceder” direitos a seu bel prazer a quem quer que seja, mas de “garanti-los”, em face da Constituição, a quem os detenha, não me sinto castigadomas alegre pela confissão e pelo perdão. Por fim, talvez meu ego esteja mais certo do que meu inconsciente da importância de cumprir a penitência proposta, mas mesmo assim, ao procurar um rumo e sabendo que “tal coisa existe”, me conforto mais uma vez com Freud: “E se você não tem informação de algo que ocorre em sua mente, presume, confiante, que tal coisa não existe”.[7]
* Juiz de Direito, membro da Associação Juízes para a Democracia (AJD), 15 de fevereiro de 2011.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Já que é sexta-feira...

Sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011 - Migalhas nº 2.569.
Um crime perfeito
"As verdades que parecem mais verdadeiras, se a gente dá muitas voltas nelas, se a gente olha para elas de pertinho, vê que são verdades só pela metade, ou deixam de ser verdades".
Mário Vargas Llosa(em Quem matou Palomino Molero?)
O rapaz magro e alto entrou na sala, com os braços atrás das costas, corpo levemente curvado para a frente, barba de dois dias, cabeça raspada. Em cada lado dele havia dois orangotangos fardados, o que, positivamente, era um despropósito. Meio soldado daqueles já seria o suficiente para dissuadir o prisioneiro de qualquer tentativa de fuga. Pararam junto à porta, em silêncio. Na mesa transversal, junto à janela, a jovem juíza lia atentamente os autos de um processo, que não tinha muitas folhas. Ela levantou os olhos quando o rapaz pigarreou. Fechou o cenho, fez um leve aceno com a cabeça e o trio se aproximou da mesa dela, ladeando a mesa mais longa, postada perpendicularmente àquela outra. Outro sinal dela e os policiais retiraram as algemas do prisioneiro, que passou a esfregar os pulsos alternadamente, dramatizando exageradamente o fato de ter sido trazido daquela forma ao fórum. Ela o encarou, como quem tenta sentir sua personalidade, e, em seguida, pôs-se a ler a denúncia:
"No dia 15 de outubro próximo passado, cerca das 15 horas, Ibrahim Assaf Nazim, filho de Maria Nazim, portando um revólver calibre 38, constrangeu o gerente da agência Bigdoy do Scandinavian Bank a entregar-lhe a importância de NK$ 980.000,00, da qual se apropriou, praticando, assim, o crime de roubo qualificado. Que o senhor tem a dizer sobre tudo isso?"
Enquanto ela fala, a funcionária ao seu lado, quase silenciosamente, aciona o teclado da maquineta que registra, literalmente, o que vai sendo dito na audiência. O rapaz limita-se a responder, quase sem sotaque norueguês: "Não sou Ibrahim. Eu sou Farid".
Vencido o espanto, a magistrada vai até a folha de identificação do preso. "O senhor conhece Maria Nazim?", indaga, exibindo-lhe a folha dos autos. "É minha mãe", confirmou o jovem. "Então o senhor quer dizer que houve um erro datilográfico na menção do seu nome? Ibrahim por Farid?".
Ele responde de forma indireta: "Farid é meu irmão".
Ela cruza os braços sobre a mesa, como que buscando adivinhar os pensamentos do acusado, o tipo de explicação que dali sairia. "Aí tem coisa", foi o que lhe disse a intuição.
"Mas, quem foi preso em flagrante foi o senhor ou foi o seu irmão?", indagou ela. "Quando eu fui preso eu estava com a cédula de identidade do meu irmão" limitou-se a esclarecer o rapaz, respondendo sempre sem se demorar nos pormenores, telegraficamente, o que poderia ser uma estratégia da defensoria.
Ela respira fundo, tentando compreender aonde queria chegar o prisioneiro. "Como o senhor explica que foi preso nas proximidades da agência assaltada e foi reconhecido por várias testemunhas, especialmente pelo gerente do banco? E portando a cédula de identidade do seu irmão?" foi a óbvia indagação dela.
"Simplesmente eu e Farid somos gêmeos. E eu trabalho em uma lanchonete na Münchensgate, uma travessa da Bigdoy allé. Segundo me disseram, fui preso umas duas horas depois do assalto, quando saí para ir ao banco descontar um cheque para meu patrão, o senhor Giovane Strada. Ele pode confirmar isso."
"E que explicação o senhor dá para o fato de estar portando o documento de seu irmão?" indaga ela, depois de fitar o moço por um bom tempo, sempre tamborilando a mesa com os dedos da mão direita, como a mostrar a ele sua impaciência com aquela história absurda.
"Como nós moramos na mesma casa, talvez ele tenha pegado o meu documento por engano, quando saiu de casa, antes de mim", foi a tentativa de explicação. "E onde ele está agora?" continuou a juíza. "Como posso saber? Estou preso há mais de dez dias e ele nunca foi me visitar na cadeia."
A magistrada relê atentamente os autos, procurando descobrir algum ponto contraditório naquela narrativa, alguma falha que devesse ser remendada, para que o processo fosse salvo, mesmo porque, quando ouvido na delegacia de polícia, o preso, invocando direitos constitucionais, marotamente permaneceu calado, deixando para manifestar-se perante o juiz, como declarou na ocasião e como agora fazia. Era, portanto, a primeira vez que seu álibi vinha para os autos. Ela, cinematograficamente, arriscou uma interpretação delirante, sem a menor base nos elementos que acabara de ler, mas cujo conteúdo o réu, certamente, desconhecia:
"Vejamos se entendi. O senhor, que trabalha numa lanchonete de propriedade de um italiano, na rua München, e goza da confiança de seu patrão, é enviado por ele periodicamente ao banco, onde realiza operações no interesse dele. Certo? No dia referido na denúncia seu patrão manda o senhor ao tal banco, para descontar um cheque. O senhor sai da lanchonete, dirige-se ao Scandinavian Bank, empunha arma de fogo, assalta a agência, tranca todos os presentes, que não eram muitos, em uma das salas, e se dirige à tal agência onde seu patrão tem conta. Certo? Ali, desconta o cheque assinado por seu patrão e transforma tudo em dólar, o dinheiro dele e o do assalto, dizendo haver o dinheiro sido enviado por seu patrão, que, como tantos outros sonegadores, não quer que o nome dele apareça na transação, para enviar para o Exterior ilegalmente. Certo? Cautelarmente, o senhor trazia no bolso a cédula de identidade do seu irmão, na qual o rosto é idêntico ao dele, pois são gêmeos. Ao ser preso, tanto o revólver como os dólares já haviam sido escondidos em um local previamente escolhido. Com a semelhança entre o senhor e seu irmão ficará a dúvida a respeito da autoria do crime. Foi o senhor ou o seu irmão o assaltante? Um crime quase perfeito. In dubio pro reo! Acertei?"
O ar dele agora era o de quem sentia na mão o peixe fisgado tentando escapar do anzol. Era preciso cansá-lo, dando-lhe mais linha.
"Eu posso dar uma versão melhor do que essa", disse ele com impensável atrevimento, já com o corpo empertigado. O ar abatido do início da audiência se esvaíra. "Digamos que meu irmão Farid me odeie e quer causar-me algum mal, levando algum proveito nisso. Ele é motoboy. Antes de sair de casa substitui minha cédula profissional pela dele, contando com que eu não vá perceber, pois elas são idênticas. Ele vai até a rua München, deixa a moto estacionada em alguma travessa próxima, guardando no bagageiro o capacete e o blusão. Entra na agência do Scandinavian Bank e faz o assalto. Tranca as pessoas lá dentro e sai calmamente até o lugar onde a moto está estacionada. Põe o blusão e o capacete e, quando as pessoas saem da agência, serão incapazes de reconhecê-lo com aquela vestimenta. Certo? Ele sabe que, mais dia menos dia, algum funcionário do banco me encontrará por ali e pensará que eu sou ele. Certo? Eu serei preso e ele ficará com o dinheiro, impunemente. Vossa Excelência não concorda? Caso ele fosse preso na ocasião, o processo conteria o meu nome e não o dele."
Ela, entrando no jogo, completa: "Ele guarda o revólver e o dinheiro no bagageiro e sai feito louco pelas avenidas, como é do costume deles, até chegar ao doleiro que lhe entrega os 300 mil dólares. Ele esconde o dinheiro em local seguro e daqui a um ano compra alguma propriedade em Trondheim. É isso? O senhor será absolvido pela dúvida quanto à autoria do crime e ambos desfrutarão do proveito do crime. Acertei?"
Ele não conseguiu impedir que um leve sorriso lhe viesse ao rosto. Olha aquela jovem de roupa negra como se dirigisse a uma balconista qualquer. "E a senhora pode me dizer o que realmente aconteceu?"
Ela, mesmo sentindo o golpe, não se dá por achada. "O senhor é muito inteligente. Eu diria que é uma pessoa atilada".
"Coisas da Internet, madame. Hoje só não aprende quem não quer. O tempo em que isso era privilégio de poucos já passou", responde ele com indisfarçável arrogância. "Há muita gente que frequenta faculdade mas desconhece a grande mestra, que é a vida."
Ela continua o cerco, tentando conter a indignação: "Pois fique sabendo que vou convocar, de ofício, o teu irmão Farid para vir depor na próxima audiência. Vejamos o que ele diz e se o álibi dele é melhor do que o seu. Talvez eu substitua um irmão pelo outro no processo".
O réu, certamente, já contava com essa possibilidade, pois não esboçou a menor reação. Ao contrário, como quem coloca o adversário em sinuca, ele sugere: "Evidentemente, nessa audiência a senhora vai mandar o gerente do banco dizer qual de nós dois é que esteve lá no dia do assalto ...".
Ela agora está jogando o corpo para trás, olhando admirada aquele rapaz que a encara, com o peito estufado, senhor de si, dono da situação, nem parece um árabe, no geral tão humilde. "Aliás", continua ele, com atrevimento simplesmente insuportável, "aliás, seria bom que a senhora convocasse também o Fued".
Ela espanta-se e empina o corpo: "Que Fued?"
E ele, como um hábil jogador de xadrez, preparando o cheque: "É nosso irmão. Nós somos trigêmeos!"
Ela suspira fundo e volta-se com o corpo para trás, entregando os pontos e a partida. E ele, como quem dá um mate: "Univitelinos!"

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Um pouco de história para justificar a sexta-feira...

"A história costuma ser a mestra da vida, mas somente para aqueles que forem bons alunos."
Heródoto
"Quatro suplentes de senador, que vão exercer mandato apenas em janeiro, receberão, em média, R$ 100 mil cada um em benefícios."
Folha de S.Paulo(edição de 6/1/2011)
"Presidente do Tribunal de Contas da União é contratado, sem licitação, por entidades sujeitas à fiscalização do tribunal."
Dos jornais
A história da Inglaterra é, infelizmente, pouco estudada nas Faculdades de Direito brasileiras. Poucos se recordam que o "devido processo legal", tão invocado hoje em dia em nossos tribunais, nasceu naquele país, no distante ano de 1215, chegando à nossa Constituição por intermédio da Constituição norte-americana.
Sua origem diz com abusos cometidos por governantes, coisa que não surgiu nos nossos dias, ao contrário do que parece a muitos.
Em 1133 nascia, na França, Henrique, filho do Conde de Anjou e da filha do rei Henrique I, da Inglaterra. Com a morte do rei inglês, houve disputas sangrentas pelo trono, culminando com a invasão da ilha pelas tropas do neto de Henrique I, que se intitulou Henrique II.
Suas primeiras providências foram no sentido de moralizar o reino, limitando os poderes nos nobres e criando um novo sistema de coleta de impostos. Foi iniciativa dele a edição do primeiro código de leis inglês. Além disso, nomeou magistrados com poderes de agir em nome da coroa, incentivando, porém, o julgamento pelo júri, que já era tradicional.
O filme Becket, baseado na peça homônima de Jean Anouilh, estrelado por Peter O'Toole e Richard Burton e dirigido por Peter Grenville, reproduz, com relativa fidelidade, o que foram os dias tormentosos daquele reinado.
Da vasta prole real, destacam-se os filhos Ricardo (cognominado Coração-de-Leão) e João (cognominado Sem-terra). Inicialmente, Henrique, filho mais velho do rei, e Ricardo insurgiram-se contra o pai, incentivados pela mãe, para conquistarem terras de além mar. A relação com o filho Ricardo piorou ainda mais com a elevação deste ao estatuto de herdeiro, depois da morte do irmão mais velho. Em Julho de 1189 Ricardo, auxiliado pelo rei Filipe II da França, derrotou o exército de Henrique em Chinon. Dois dias depois, o rei da Inglaterra morreu num castelo das redondezas, presumivelmente de ferimentos recebidos na batalha.
Ricardo, celebrizado por Sir Walter Scott como o heróico líder das Cruzadas com o epíteto de Coração-de-Leão, na verdade um homem imaturo, pouco afeito a seus deveres de soberano e extremamente belicoso, assumiu o trono com a morte do pai. Embora rei, abandonava as coisas do governo para dedicar-se a lutas externas e à procura do misterioso Santo Graal. Essas aventuras levaram o país a uma situação de quase-falência, o que exigia a elevação dos tributos, fato que mais aumentou sua já grande impopularidade.
John, também filho de Henrique II, sucedeu ao irmão Ricardo I no trono da Inglaterra, que assumiu em 1199, com apenas 32 anos de idade, aproveitando-se da ausência do rei, exatamente por estar participando das Cruzadas. Ainda era um período de grande tumulto, em razão não só das dívidas por ele herdadas como por estar o país envolvido em guerra com a França, que reivindicava as regiões de Anjou, Normandia e a Bretanha, pertencentes à coroa britânica. Isso já trazia inquietação entre os nobres desde o reinado de Henrique II, que, tanto quanto seu primogênito, havia governado o país com poderes cada vez maiores.
O novo rei não era, como fora seu irmão, um guerreiro. Entretanto, herdou a situação caótica do reino, que seu irmão havia levado praticamente à falência. Os barões, que não aceitavam o modo como os reis vinham limitando a autoridade deles, não tinham, porém, um pretexto adequado para insurgirem-se contra o soberano, mesmo porque a reivindicação do retorno de seu privilégios faria voltar-se contra eles a ira do povo.
O próprio rei, contudo, deu-lhes esse motivo quando, insurgindo-se contra a autoridade papal, se recusou a aceitar a designação de Stephen Langton para assumir o Arcebispado de Canterbury, em 1206. O papa Inocêncio III, em represália, além de excomungar o rei, determinou o fechamento de todas as igrejas do país, o que significou ficar o sofrido povo inglês sem o refrigério trazido por sua fé. A insatisfação popular levou o soberano a reconsiderar seu ato, submetendo-se à autoridade papal em 1213. Esse precedente seria habilmente explorado pela nobreza no futuro.
De fato, no ano seguinte, uma fracassada tentativa do rei de retomar parte das terras ocupadas pela França elevou o clima de confronto entre o baronato e o soberano. Estrategicamente, encarregaram ninguém menos do que o arcebispo de Canterbury para redigir uma petição dirigida ao rei John, onde era reivindicado o reconhecimento de alguns direitos dos súditos em face do monarca. Eram 63 temas, a maioria dos quais, porém, interessando apenas ao baronato.
Inicialmente o rei recusou-se a apor o selo real no documento, o que justificou que bispos e nobres realizassem a marcha do Exército de Deus e da Santa Igreja em direção à cidade de Londres, que foi por eles tomada, ameaçando alastrar a revolta por todo o país.
No dia 15 de junho de 1215 o rei John finalmente reconheceu que não tinha escolha e acolheu a petição, comprometendo-se a pautar sua conduta em relação aos súditos de acordo com o ali proposto. Apôs o selo real no documento, exclamando a frase célebre: "As well may they ask my crown!". Bem que poderiam pedir a minha coroa!
Formalizou-se, assim, a Magna Carta Libertatum, seu Concordia inter regem Johannem et Barones pro concessione libertatum ecclesiae et regni Angliæ, semente do constitucionalismo moderno.
Na época, porém, da assinatura da Magna Carta a cláusula do due process ainda não estava expressa em texto algum. A expressão clássica apareceu somente em 1354, quando um ato do rei Eduardo III, atendendo a uma petição que lhe havia sido apresentada pelos nobres, assim se expressava: "no man, of what state or condition soever he be, shall be put out of his lands, or tenements, nor taken, nor imprisoned, nor indicted, nor put to death, without he be brought in to answer by due process of law". Em português: "nenhum homem, de qualquer estado ou condição que seja, será expulso de suas terras ou posses, nem detido, nem preso, nem indiciado nem levado à morte sem que seja chamado para responder (a uma acusação) sob o devido processo legal".
Com a promulgação da Constituição dos Estados Unidos da América do Norte, em 1789, odue process of law atravessou o oceano, trazido da Inglaterra e expressamente referido tanto na 5ª como na 14ª emendas à Constituição norte-americana. Em verdade, ele jamais foi claramente explicitado em lei, ao contrário do esperado por Edward Keynes: "Embora as cláusulas do devido processo legal sejam uma larga promessa de liberdade, elas não definem quais interesses específicos relacionados com liberdade e propriedade aí estão compreendidos. As cláusulas do devido processo expressam valores substanciais profundos que são a raison d'être de um governo constitucional - a proteção da vida, da liberdade e da propriedade, mas os autores da Quinta Emenda deixaram a definição dos interesses específicos relacionados com liberdade e propriedade ao Congresso e aos Tribunais" disse ele.
Em realidade, tem cabido ao Poder Judiciário daquele país definir o que se inclui na mencionada clause, quer sob o aspecto substantivo (eventual violação pelo Legislativo ou pelo Executivo de princípios constitucionais que cuidam do relacionamento equânime entre os indivíduos e o Estado), quer quanto ao aspecto formal (os princípios a serem observados para que o processo judicial tenha o caráter garantístico dos direitos humanos fundamentais, especialmente os relativos à vida, à liberdade e à propriedade).
O Brasil atual lembra aqueles tempos tormentosos. Os comentaristas políticos ressaltam que o governo Lula superou tudo o que já havíamos experimentado em termos de corrupção. A escolha dos novos ministros e a manutenção de muitos dos antigos, que compõem uma equipe de tal tamanho que não conhece semelhança em nenhum outro país, não justifica expectativas positivas, como ressaltam os mesmos comentaristas. Veja-se, por todos, a revista Veja n. 2.198, publicada em 5 de Janeiro deste ano.
Por outro lado, o Congresso Nacional, composto de muitos elementos cuja biografia diz mais com o Código Penal do que com a seriedade na feitura de leis, também vem de superar-se em seus desmandos, elevando, a partir de sofisma insustentável, os ganhos de seus membros, que, entre vencimentos e fringe benefits, superam muitíssimo os ganhos dos ministros do Supremo Tribunal Federal, escolhidos falsamente como paradigma.
Quem porá um cobro a isso?
Caso as entidades legitimadas a fazê-lo não venham a suscitar, perante o Supremo Tribunal, a inconstitucionalidade daquele abuso, por violação clara do princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade, não será de estranhar que também aqui venhamos a ter uma "marcha sobre Londres", até porque nunca será demasia lembrar que, em 1964, por muito menos do que isso, tivemos o que tivemos, momento histórico que, segundo uma alta patente de nossas Forças Armadas, "não é motivo para vergonha".
Cautela e caldo de galinha nunca fizeram mal a ninguém.
fonte: www.migalhas.com.br