(18.04.11)
Esqueça a ladainha dos interesses nacionais e das prioridades da população. Os partidos mostram aquela gana toda para controlar órgãos públicos com a finalidade de conseguir prestígio político e, quase sempre, recursos financeiros. Por isso, transformam ministérios, estatais e autarquias em verdadeiras "fábricas de dinheiro" que funcionam à base de fraudes em licitações, superfaturamento de preços e cobrança de propina em contratos firmados com o governo. Esses ensinamentos são do ex-deputado Roberto Jefferson e estão registrados em documentos produzidos durante as investigações do mensalão, o maior e o mais bem documentado esquema de corrupção da história brasileira.
Jefferson falou com conhecimento de causa. Em 2005, quando o escândalo veio à tona, ele presidia o PTB, que instalara uma máquina clandestina de arrecadação de propina nos Correios. Cada empresa fornecedora da estatal repassava um porcentual dos lucros do contrato para o partido. A contabilidade da quadrilha foi exposta em relatório da Polícia Federal. Mostrava, por exemplo, que a Distribuidora de Manufaturados Ltda, (Dismaf) transferia à direção do PTB 4% do que recebia dos Correios.
Seis anos depois, o mensalão é um processo à espera de julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). Já o PTB e a Dismaf continuam a marchar de mãos dadas pelo terreno caviloso em que se misturam interesses públicos, privados e políticos. Com uma diferença: a empresa - antes modesta fornecedora de materiais de consumo - começou a movimentar cifras que, se somadas, superam a casa do bilhão de reais. Prova de que a corrupção e um excelente negócio. A Dismaf prosperou. Um dos segredos desse crescimento vertiginoso foi uma guinada mercadológica. Em vez de vender bolsas a carteiros e fardas a militares, que renderam 2,6 milhões de reais em 2006, a empresa passou a comercializar trilhos para ferrovias. Só no ano passado, suas vendas ao governo garantiram 346 milhões de reais de faturamento, oriundos de contratos com a Valec, estatal vinculada ao Ministério dos Transportes. O futuro é ainda mais promissor. Há dois meses, a Dismaf ganhou nova licitação da Valec para fornecimento de trilhos às ferrovias Norte-Sul e de Integração Oeste-Leste, duas obras prioritárias do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Valor do contrato: 720 milhões de reais. A finalização do processo, porém, depende de algumas variantes.
Ainda em fevereiro, um dia depois da licitação, o ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, mandou suspender o processo. Cardeal do PR, partido que também protagonizou o mensalão. Nascimento decidiu que a Dismaf só será declarada oficialmente vencedora e o contrato só será assinado depois que a área técnica da Valec responder a questionamentos feitos pelo Tribunal de Contas da União. O TCU quer ter certeza de que não houve direcionamento na licitação. Esse é o menor dos problemas do governo. O fantasma do mensalão ronda a Dismaf. Em abril de 2010, os Correios publicaram no Diário Oficial um aviso de penalidade no qual proíbem a empresa de participar de licitações e de firmar contratos com a estatal durante cinco anos - ou seja, até 2015. Em outras palavras, ela está impedida de participar de qualquer negócio com o governo. Apesar dessa sanção, a Valec não vetou a presença da Dismaf no último pregão das ferrovias. Em linha com a empresa, a estatal alegou que a proibição só valia para contratos com os Correios. Não é verdade. Maior autoridade governamental nessa seara, a Controladoria-Geral da União (CGU) repudia tal entendimento. Em nota a VEJA, a CGU foi clara: as portas de toda a administração federal estavam fechadas para a Dismaf. Ao saber dos detalhes do caso, a CGU foi além e determinou à Corregedoria a apuração e a eventual responsabilização do diretor da Valec que autorizou a Dismaf - "declarada inidônea" - a participar da licitação.
"A Dismaf não está impedida nem foi declarada inidônea, com exceção dos Correios, não teve envolvimento com o mensalão e nunca houve intimação do Ministério Público ou da Polícia Federal para que prestasse esclarecimento", defende-se a empresa. Caberá à Justiça decidir a questão. A Dismaf não produz um prego. Importa e comercializa produtos. Da China, começou comprando têxteis. Depois, aço. Agora, apresenta-se como distribuidora exclusiva das duas maiores usinas de trilhos do mundo.
Movimenta recursos astronômicos em duas pequenas salas localizadas e quase escondidas num centro comercial de Brasília. Além de mudar de ramo, com a adoção dos trilhos como locomotiva de suas operações, a Dismaf cresceu graças a uma teia de contatos políticos construída a partir da velha parceria público-privada. A empresa tem como proprietários os irmãos Basile e Alexandre George Pantazis. Basile é também tesoureiro do PTB-DF e amigo do peito do senador Gim Argello. Líder do partido no Senado. Gim se gaba de ser próximo à presidente Dilma Rousseff. Jacta-se de ter influência no Palácio do Planalto e de abrir portas na Esplanada. Foi pelas mãos desse cicerone gargantão que Basile se aproximou dos caciques que comandam a Valec. E o caso do presidente do Senado, José Sarney (PMDB), e de seu filho Fernando, empresário cujos tentáculos na Ferrovia Norte-Sul são investigados pela Polícia Federal. Gim e José Sarney são aliados. O primeiro e soldado leal ao segundo.
Basile mandou dizer que, apesar de ser tesoureiro. não trabalha na coleta de recursos para o PTB nem procura empresários em nome da sigla. Alegou ainda que ele e sua empresa jamais contribuíram financeiramente com a legenda. "Ele nunca captou recursos para o partido. Quem faz isso sou eu. Em Brasília, o PTB só trabalha com o dinheiro do fundo partidário", disse Gim Argello. O senador contou que conhece Basile há "uns oito anos". Admira-o por ser inteligente e trabalhador. Existe proximidade afetiva e geográfica. Há pouco tempo, eles passaram a morar na Península dos Ministros, uma quadra nobre no também nobre bairro do Lago Sul. Menos de 1 quilômetro separa uma casa da outra. Basile, que costuma ser visto a bordo de uma Ferrari, comprou a mansão no ano passado por 6 milhões de reais. Segundo Gim Argello, foi-se o tempo em que o PTB se lambuzava nas tais fábricas de dinheiro. Hoje, declarou ele, não haveria mais cobrança de propina nem desvio de verbas, tal qual relatado por Roberto Jefferson, que continua presidente do PTB. "Acabou. Comigo nunca aconteceu."
Apesar de a "fábrica de dinheiro" ter sido desativada, os parlamentares do PTB continuam empenhados em ocupar espaço no governo da presidente Dilma Rousseff (veja o quadro). É apenas a velha ladainha. Sob a proteção do anonimato, um senador e um deputado petebistas contaram que Basile, o tesoureiro-empresário, e conhecido por operar para o caixa do partido - inclusive na BR Distribuidora, que tem um diretor indicado por Gim e outro pelo senador e ex-presidente Fernando Collor de Mello. No jargão, operar significa recolher dinheiro. Na semana passada, o PTB conseguiu nomear Evangevaldo Moreira dos Santos para a presidência da Conab, estatal com orçamento de 6 bilhões de reais. Evangevaldo foi investigado pela Polícia Federal por corrupção quando esteve à frente do INSS de Goiás. Luiz Antonio Marques. um ex-subordinado de Evangevaldo, anrmou à polícia que o chefe cobrava propina de empresários. O dinheiro era repassado a parlamentares do partido. Evangevaldo diz que não foi encontrada nenhuma prova contra ele, e que o inquérito foi arquivado. E tudo, portanto, coisa do passado.
Fonte: espaço vital
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