sexta-feira, 25 de junho de 2010

Sexta de copa do mundo x tempo perdido

Jabulani 3, goleiros 0


Não é apenas você, caro leitor, que tem perdido seu precioso tempo tentando ver um jogo de futebol pelo menos razoável na TV ultimamente. Venho, há muito tempo, contrariando meu dileto amigo Juca Kfouri, sustentando que o futebol é um esporte decadente, incompatível com os tempos modernos, quando, mais do que nunca, time is money. Nosso amigo comum Eduardo Galeano, em seu El Fútbol a Sol y Sombra, já falava nisso: "Yo no soy más que un mendigo del buen fútbol. Voy por el mundo, sombrero en la mano, y en los estadios suplico: una linda jugadita, por amor de Dios. Y, cuando el buen fútbol ocurre, agradezco el milagro, sin que me importe un rábano cual es el club o el país que me lo ofrece."

Ficar duas horas diante da TV vendo pernas de pau dando trombadas e errando gols feitos, quem merece? O preparo dos atletas melhorou, o tamanho dos calções dos jogadores alterou-se substancialmente, inventou-se a indecente paradinha na hora dos penalties (que é a negação do desejado fair play), mas as regras, criadas pela FIFA há mais de cem anos, são as mesmas, o tamanho do campo, o tamanho das traves, o tempo de jogo e o número de jogadores continuam os mesmos. Até o conceito de "uniforme" foi alterado, para beneficiar os patrocinadores. Além das chuteiras de múltiplas cores (a chuteira pertence ao uniforme, que significa "uma só forma para todos"), há a revogação das chamadas "cores tradicionais". Qualquer dia desses, os jogadores do alvinegro do Parque São Jorge aparecerão vestindo camiseta com faixas azuis e laranja, por exigência do tal patrocinador. Que se danem as tradições. Ou a "celeste olímpica" aparecerá na Copa do Mundo jogando de camisa branca. Quousque tandem?

Aliás, você, que se considera um conhecedor do futebol, será capaz de dizer a que palavras correspondem, no original, as letras FIFA? Aposto que errou: Fédération Internationale de Football Association, assim em francês, pois foi fundada em Paris, em 1904.

Isso para não falar nos comentaristas. Há um deles, voz de taquara rachada, que deve ser sobrinho de algum diretor, que lhe proporcionou esse passeio à África. Não é que o rapaz desconheça futebol. Ele desconhece o bom senso. Por exemplo: um jogador dá um carrinho por trás no adversário e é expulso. Comentário do tal sobrinho: "embora a lei diga que é caso de expulsão, entendo que o juiz foi muito rigoroso." Cumaé? Ele se acha no dever de explicar a frase idiota: "aposto que se o carrinho tivesse sido dado por um jogador alemão o juiz não o expulsaria." Pois é. Baseado em mera suposição, alicerçada em mero preconceito, o tal rapaz entende de julgar a conduta do árbitro. E você tendo de ouvir isso. Não foi a única bobagem dita pelo tal moleque. A bola está pulando na área. O zagueiro corre em direção a ela e arma o chute para mandá-la para a frente. Nesse preciso instante, um atacante afasta a bola e deixa a perna no lugar dela. O zagueiro, evidentemente, não teria como evitar aquilo que os penalistas chamam de "erro de execução". Explico: pai e filho estão sendo assaltados. O filho empunha uma arma e dispara contra o ladrão, em legítima defesa. Erra o tiro, que lhe atinge o pai. Para aquele comentarista esportivo estaríamos diante de um homicídio tentado e qualificado, pois foi cometido contra o pai. Homicídio aqui e pênalti lá.

Tenho autoridade para falar do assunto pois, em minha juventude, eu despontava como o futuro goleiro de nossa seleção, não tivesse como modelo o Gilmar dos Santos Neves. Aquilo de atirar-se nos pés do adversário, que o Gilmar fazia com desassombro, fazia eu com desassombro e meio, até o dia em que o Toninho, um cretino bem mais forte do que eu, resolveu não perder a viagem e substituir a bola pela minha cabeça. Os brasileiros que me desculpem, mas vão ter de contentar-se com o Félix, o Marcão e outros menos votados. E pendurei as luvas. Melhor jogar esgrima no Tietê, onde o risco de acidente é menor.

O esquema do jogo de futebol era conhecido como WM, referência à posição invariável de cada jogador no campo. O número 7 era o ponta-direita, que não saía da extremidade direita do campo, de onde centrava para o centro-avante, que permanecia na cabeça da área adversária à espera da bola. O número 11 era o ponta-esquerda e também "guardava a posição", como se dizia então. Aí apareceram uns malucos com camiseta cor de laranja e implodiram o tal WM. Resultado: se havia uma bola na defesa, lá estavam três "laranjinhas" em torno dela; se era na área adversária, lá estavam outros (ou os mesmos, sabe-se lá) "laranjinhas". Até no vestiário havia um trio de holandeses rondando a bola. E o futebol nunca mais foi o mesmo.

O fato, porém, é que ser goleiro naquela época era outra atividade. A bola era feita de couro, gomos costurados pelo avesso, formando o que chamávamos de "capotão". Havia uma segunda parte, a "câmara de ar", que, escondida dentro dele, se comunicava com o mundo exterior por uma peça indecente chamada "pingulim". Era um tubinho de borracha, pelo qual você inchava a tal câmara e, em consequência, tornava a bola mais ou menos redonda. Feito isso, o tal pingulim era dobrado e guardado dentro do capotão, por uma abertura que viria a ser fechada como fechamos o sapato, isto é, apertando um cadarço de couro. Em dias de chuva, não havia coisa mais inesquecível do que levar uma bolada no rosto, especialmente se o chutador tivesse sido o Rivelino. Aliás, tirante ele e mais meia dúzia de exímios chutadores, a tal bola, quando chutada ou cabeceada (havia quem se atrevesse a isso), seguia em velocidade que não chegava aos pés dos quilômetros registrados hoje, com essa bola plástica colorida, que até apelido tem, coisa que não havia naqueles idos e vividos tempos.

Justamente por isso, acho uma graça quando comentaristas de futebol dizem que tal goleiro engoliu frango, especialmente quando esse comentarista jamais teve intimidades com a guria, como dizíamos nós.

Vejam o gol do Podolski, que alguns consideraram um dos mais bonitos da primeira rodada. Reparando bem, você conclui que metade do gol foi feito pela Jabulani (clique aqui). A bola que escapou das mãos do imaturo (a julgar pelo nome) goleiro da Inglaterra merece o mesmo mérito. Verdade que goleiros autênticos, como eu e o Gilmar, jamais ficaríamos de lado para a menina dizendo "vem, vem". Mas que a bola fez lá das suas, isso fez. Para não falar no drible que ela deu no goleiro do Japão: goleiro para a esquerda e bola para a direita.

Excluindo esses espetáculos circenses, que as 32 câmeras gravam e as emissoras passam e repassam dia e noite, que mais temos? Um idiota que, sem mais nem menos resolve dar um coice no adversário, com jogo parado, sob os bigodes do juiz. Jogador expulso e time adversário virando o resultado do jogo. Fosse eu o chefe da delegação, poria um camarada desses no avião e mandaria de volta para casa. Ele que se explicasse à torcida, que, certamente, iria recepcioná-lo condignamente no aeroporto.

Como todas as Copas, esta tem lá suas especificidades, se assim se pode dizer. É a Copa do "pé-de-ouvido". Em cada jogo, pelo menos duas vezes lá está um jogador levantado-se com a mão cobrindo a orelha, vítima de uma cotovelada do adversário, que havia subido para cabecear a bola. E há também o super slow-motion, que transforma quedas perigosíssimas em bela coreografia futebolística. E só. Jogadas inesquecíveis? Só se for a cena do braço de Deus fazendo gol para o Brasil. Ou, para sermos justos, as exibições da seleção argentina, que acabarão deixando o Maradona pelado de frente (ou de costas?) para o tal obelisco.

Aliás, quando os comerciais do intervalo são mais interessantes do que os jogos que acabamos de suportar, alguma coisa está errada. Perguntem aí ao Marcos Evangelista de Moraes, que já brilhou do lado de lá, com o nome de Cafu, e hoje brilha do lado de cá, interpretando o simpático mecânico Joel.

Grande desempenho, garoto.
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Retirado do site Migalhas
Autor Adauto Suannes.

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